quarta-feira, 25 de julho de 2012

PARABÉNS ESCRITOR! HOJE É SEU DIA.


A um jovem por Carlos Drummond de Andrade

Prezado Alípio:

Ontem à noite, ao sair você de nosso apartamento, aonde veio em busca de sabedoria grega e só encontrou um conhaque e um gato por nome Crispim, assentei de reduzir a escrito o que lhe dissera. Aula de ceticismo?Não. Ele se aprende sozinho. A única coisa que se pode remotamente concluir do que conversamos é: não vale a pena praticar a literatura, se ela contribui para agravar a falta de caridade que trazemos do berço.

Por isso, e porque não adiantaria, não lhe dou conselhos. Dou-lhe anticonselhos, meu filho. E se o chamo de filho perdoe: é balda de gente madura. Pouco resta fazer quando não nascemos para os negócios nem para a política nem para o mister guerreiro. Nosso negócio é a contemplação da nuvem. Que pelo menos ele não nos torne demasiado antipáticos aos olhos de coletâneos absorvidos, Alípio, e saiba que eu o estimo:



I- Só escreva quando de todo não puder deixar de fazê-lo. E sempre se pode deixar.



II- Ao escrever, não pense que vai arrombar as portas do mistério do mundo.Não arrombará nada.Os melhores escritores conseguem apenas reforça-lo, e não exija de si tamanha proeza.



III- Se ficar indeciso entre dois adjetivos, jogue fora ambos, e use o substantivo.



IV- Não acredite em originalidade, é claro. Mas não vá acreditar tampouco na banalidade, que é a originalidade de todo mundo.



V- Leia muito e esqueça o mais que puder.



VI- Anote as idéias que lhe vierem na rua, para evitar desenvolve-las. O acaso é mau conselheiro.



VII- Não fique baboso se lhe disserem que seu novo livro é melhor do que o anterior. Quer dizer que o anterior não era bom.



VIII- Mas se disserem que seu novo livro é pior do que o anterior, pode ser que falem verdade.



IX- Não responda a ataques de que não tem categoria literária:seria pregar rabo em nambu.E se o atacante tiver categoria, não ataca,pois tem mais o que fazer.



X- Acha que sua infância foi maravilhosa e merece ser lembrada a todo momento em seus escritos?Seus companheiros de infância ai estão, e têm opinião diversa.



XI- Não cumprimente com humildade o escritor glorioso, nem o escritor obscuro com a soberba. Às vezes nenhum deles vale nada, e na dúvida o melhor é ser atencioso para com o próximo,ainda que se trate de um escritor.



XII- O porteiro do seu edifício provavelmente ignora a existência, no imóvel de um escritor excepcional. Não julgue por isso que todos os assalariados modestos sejam insensíveis à literatura, nem que haja escritores excepcionais em todos os andares.



XIII- Não tire copias de suas cartas,pensando no futuro.O fogo, a umidade e as traças podem inutilizar sua cautela.

XIV. Procure fazer com que o seu talento não melindre o de seus companheiros. Todos têm direito à presunção de genialidade exclusiva.



XV. Faça fichas de leitura. As papelarias apreciam esse hábito. As fichas absorverão o seu excesso de vitalidade e não usadas, são inofensivas.



XVI. Se sentir propensão para o gang literário, instale-se no seio de sua geração e ataque.Não há policia para esse gênero de atividade. O castigo são os companheiros e depois o tédio.



XVII. Não se julgue mais honesto que seu amigo porque soube identificar um elogio falso, e ele não. Talvez você seja apenas mais duro de coração.



XVIII. Evite disputar prêmios literários. O pior que pode acontecer é você ganhá-los, conferidos por juízes que seu senso critico jamais premiaria.



XIX. Sua vaidade assume formas tão sutis que chega a confundir-se com modéstia. Faça um teste: proceda conscientemente como vaidoso, e verá como se sente à vontade.



XX. Seja mais tolerante com o cabotismo de seu amigo ;que sempre esconde uma deficiência, e só impressiona outros cabotinos.



XXI. Antes de reproduzir na orelha de seu livro a opinião do confrade, pense, primeiro que ele não autorizou a divulgação; segundo que a opinião pode ser mera cortesia;terceiro, que você não admira tanto assim o confrade.



XXII. Quanto ao seu próprio cabotismo, ele esfriará se você observar que na hipótese mais cristã, é objeto de tolerância alheia.



XXIII. Procure ser justo com os outros; se for muito difícil, bondos; na pior eventualidade, omisso.



XXIV. Opinião duradoura é a que se mantém válida por 3 meses. Não exija mais coerência dos outros nem se sinta obrigado intelectualmente a tanto.



XXV. Procure não mentir, a não ser nos caos indicados de polidez ou pela misericórdia. È arte que exige grande refinamento, e você será apanhado daqui a 10 anos, se ficar famoso e se não ficar, não terá valido a pena.



XXVI. Deixe-se fotografar à vontade, sem chamar os fotógrafos; não recuse autógrafos mas não se mortifique se não os pedirem. Homero não deixou cartas nem retratos, Baudelaire deixou uns e outros. O essencial se passa com outros pápeis.



XXVII. Você tem um diário para explicar-se: é assim tão emaranhado? Para justificar-se no futuro:julga-se tão extraordinário?



XXVIII. Trate as corporações com cortesia, pois o mais provável é não ingressar nunca.



XXIX. Aplique-se a não sofrer com o êxito do seu companheiro, admitindo embora que ele sofra com o de você. Por egoísmo, poupe-se qualquer espécie de sofrimento.



XXX. Boa composição moral é a do orgulho e humildade; esta nos absolve de nossas fraquezas, aquele nos impede de cair em outras. Quanto aos santos-escritores é de supor que foram cononizados apesar da condição literária.



XXXI. Seja discreto. È tão mais cômodo!


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